quarta-feira, 26 de setembro de 2012

OS CRIMES ANTIGOS E OS SINAIS DE GUERRA


Em 13 de dezembro de 1937, depois de violentos ataques de artilharia, o exército japonês invadiu a cidade chinesa de Nanquim. Os prisioneiros militares e civis, todos desarmados, e alguns com suas mãos amarradas por cordas, foram fuzilados. Os militares chineses se haviam rendido sob a garantia de vida. Segundo os cálculos, de 200.000 a 300.000 morreram nas quatro semanas de chacina, da manhã à noite.

Dezenas de milhares de mulheres, muitas delas ainda meninas, foram estupradas antes do fuzilamento. Os japoneses criaram, em Nanquim, um governo fantoche, que durou até 1945, e foi eliminado com a derrota do Imperador. Foi um festim de sangue e de desonra. No fim da guerra, os dois chefes militares, que comandavam as tropas japonesas, foram julgados, por um tribunal de guerra do Oriente, e executados.

O massacre de Nanquim ficou na história como um dos mais nefandos crimes cometidos contra a Humanidade. Os chineses, conhecidos por sua memória histórica, guardam seu justo ódio até hoje contra os japoneses, que tentaram, desde então, desmentir o que fizeram. Há, no entanto, farto documentário sobre a chacina, nele incluídas centenas de fotografias, feitas pelos próprios japoneses e divulgadas no mundo inteiro.

Nos últimos dias surgiu novo conflito, por enquanto diplomático, entre as duas nações asiáticas. Em uma distância quase equivalente entre a China e o Japão há um conjunto de ilhas, disputadas historicamente entre os dois países. Elas são as Sendaku (em japonês) e Diahoyu (em chinês). Estavam sendo ocupadas por empresas privadas, e os chineses as deixaram de lado, ainda que na reivindicação permanente de sua soberania. Agora, o governo japonês moveu uma peça no tabuleiro, que se encontrava imóvel, ao comprar dos particulares o domínio sobre o pequeno arquipélago e colocar ali o marco de sua soberania. Imediatamente, a população chinesa reagiu contra as firmas japonesas que se estabeleceram em seu território, obrigando muitas delas a interromper suas atividades e repatriar seus executivos. 

O governo chinês advertiu, claramente, os Estados Unidos para que se mantenham alheios ao confronto, diante do oferecimento de Leon Panneta de intermediar o entendimento entre os dois países. E voltou a exigir que o Japão reconheça a sua soberania sobre as ilhas. Este é um sinal de perigo, mas há outros.

Em 1955, pouco antes de morrer, Ortega y Gasset fez uma conferência para administradores de empresas, em Londres. Propôs, ali, uma tese inusitada, a de que, provavelmente não haveria mais guerras no mundo. Se não houvesse mais guerras, como seriam resolvidos os grandes conflitos da História? Não há problema maior para o homem do que o da guerra e da paz. Alguns historiadores concluem que a Guerra de Tróia ainda não terminou. Outros, mais atentos à contemporaneidade, acham que, desde agosto de 1914, com o início do grande conflito bélico, vivemos uma “guerra civil mundial”. Os fatos demonstram que as guerras antigas, ainda que envolvessem coalizões e buscassem o equilíbrio de poder regional, nasciam de divergências entre duas nações. A partir de 1914, o que se encontra em jogo é o império mundial. E se trata de uma guerra civil porque não envolve somente as nações com seus exércitos, mas interessa aos povos, em luta por sua afirmação nacional e pela igualdade social interna. Os problemas se entrelaçam.

Depois de 67 anos sem guerra global, em um simulacro de paz – desde que as grandes nações não entraram em choque aberto – crescem os perigos de novo confronto internacional. Se a China e o Japão correm o risco de lutar por um pequeno conjunto de ilhas, os Estados Unidos correm o risco de ampliar sua intervenção militar no Oriente Médio, a pretexto do projeto nuclear do Irã.

Os atos de provocação – que sempre antecedem a sangueira – se multiplicam. Depois do nauseante filme que ofende a figura de Maomé, grupos radicais de judeus nos Estados Unidos divulgam – e nos ônibus urbanos de Nova Iorque – anúncio desafiador em que os muçulmanos são qualificados de selvagens e em que se prega a derrota da jihad, em favor de Israel.

Os confrontos latentes entre a Índia e o Paquistão e o mal-estar do regime de Islamabad com os atos militares dos ianques em seu território – entre eles a não muito clara caçada a bin Laden – mostram que o continente não está muito longe de um conflito. Ao mesmo tempo, os norte-americanos se encontram, a cada dia, mais enrascados no Iraque e no Afeganistão.

Se todos se preparam para o pior, é bom resolver com paciência os dissídios internos e planejar a defesa de nossa soberania, sem pânico, mas sem desídia.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA


O dia de hoje deveria ser ocupado mais em reflexões do que nos desfiles cívicos e militares, ainda que eles tenham o seu forte simbolismo. A data lembra um dos momentos do processo de construção de nossa independência, que ainda não se completou. A própria proclamação, em si mesma, não a assegura; antes, a enuncia como um projeto. Como em outros episódios a ele contemporâneos, a frase forte registra o compromisso de conquistar a independência ou morrer na luta que se prevê. É o anúncio de um contrato com o destino.

A independência é movimento que implica, ao mesmo tempo, a consciência da vida e da responsabilidade coletiva, a aquisição, dia a dia, de parcelas crescentes de soberania, e a manutenção das posições que vão sendo, pouco a pouco, conquistadas. De certa forma, trata-se de processo teleológico, esforço permanente. Uma nação se liberta enquanto se constrói.

Infelizmente há pausas de desalento e recuos danosos nesse processo. Fenômeno inexplicável, apesar de todos os avanços da ciência, a inteligência humana nem sempre serve à razão, e costuma desviar-se seja na paranóia, seja no niilismo, e, ainda de maneira mais grave, no conformismo.

Nos últimos tempos, a idéia de pátria vem sendo esvaziada. De um lado, visionários consideram as fronteiras nacionais a causa de desgraças, como as guerras. Não é possível, porém, desfazer as linhas de ocupação territorial, riscadas pelas vicissitudes de uns e fortuna de outros. De outro lado, em nome da economia, os grandes decidiram, recentemente, que os governos nacionais são obstáculo a ser removido.

Para eles, a política – e esse é o catecismo neoliberal de que procuramos a dura custa nos livrar – deve estar submetida aos homens mais ricos do mundo, aos grandes banqueiros e titãs empresariais, não obstante as evidências de que alguns deles não passam de reles larápios. Fala-se hoje em “governança mundial”, com desfaçatez que assusta as pessoas lúcidas. Demolimos, em passado recente, grande parte do que havíamos edificado de nossa pátria. Houve, nessa renúncia aos nossos deveres, culpados tanto entre os que se identificam na esquerda, quanto na direita.

A Revolução Cubana foi uma idéia necessária, no processo de sua independência, que, apesar dos imensos sacrifícios e generosidade de seu povo, ainda não foi obtida. O colonialismo espanhol fora substituído pela Emenda Platt, imposta pelos norte-americanos em 1901, em troca do fim da ocupação do país por seus fuzileiros. A emenda, do governo de Ted Roosevelt, apresentada ao Congresso pelo senador Oliver Platt, determinava a soberania compartida da ilha pelos Estados Unidos, permitindo aos ianques a intervenção no território, durante os trinta anos seguintes. Em 1934, Roosevelt suspendeu os efeitos da Emenda, que eram o de um descarado estatuto de protetorado, mantendo o direito à base de Guantánamo – mas nada mudou na realidade. Com a reação infantil de Washington, na proteção das empresas petrolíferas contra uma decisão soberana de Castro, Cuba se voltou para a União Soviética que, apesar de divergências internas a respeito, decidiu ajudar o regime revolucionário. Passados mais de meio século, Cuba se vê obrigada a buscar nova forma de entendimento com os Estados Unidos, sem que o seu povo haja renunciado a obter a plena autodeterminação no futuro. As lições de Cuba recomendam a unidade política da América do Sul, em uma aliança contra a intervenção de um terceiro bem conhecido. O golpe branco contra Lugo é a mais recente advertência.

O processo de independência combina a ação política e diplomática com a luta armada, dependendo da situação histórica. Somos um país privilegiado. Fora a ocupação militar portuguesa em seu tempo, e a presença paraguaia na margem esquerda do Rio Paraguai por alguns meses, no início da Guerra da Tríplice Aliança, nunca tivemos o nosso país ocupado. A presença das bases americanas em território nacional, quando da Segunda Guerra Mundial, foi de nossa conveniência, na defesa comum contra o nazismo. A independência, sendo política, terá de ser também econômica. Continuamos a entregar aos estrangeiros o nosso subsolo, seguindo a decisão do governo neoliberal presidido por Fernando Henrique Cardoso. A Anglo-American está comprando todas as jazidas ferríferas disponíveis em Minas, e os chineses se preparam para entrar decisivamente na exploração de nosso subsolo.

O patriotismo não distingue as nações. As alianças são feitas quando há o interesse comum na luta contra terceiros. Mas na História sempre prevalece a constatação singela de Gilberto Amado, de que não há povos amigos de outros povos: os povos, como os indivíduos, são naturalmente egoístas. Ou, ainda mais dura, a afirmação atribuída a Sumner Welles e, mais tarde, repetida por Kissinger: “Os Estados Unidos não têm amigos; têm interesses”.

Podemos e devemos manter as melhores relações com todos os povos, sem esquecer que somos uma nação com sua própria identidade, e que não podemos delegar a defesa de nossa sobrevivência e a construção cotidiana da independência e da dignidade. Como dizia Renan, a pátria é a solidariedade entre os seus filhos. Entre todos eles, ricos e pobres, intelectuais e trabalhadores braçais. Em certo sentido, a nossa verdadeira independência ocorrerá quando todos nos sentirmos cidadãos iguais, sem que nenhuma etnia, ou nenhuma classe social, se considere melhor ou com mais direitos do que qualquer outra.

É com essas reflexões que podemos comemorar o 7 de setembro.