domingo, 21 de agosto de 2011

A SOMBRA DOS ANOS 30

O século passado teve como eixo a década de 30. Ela se iniciou com a crise econômica mundial, que estas últimas horas de angústia nos mercados financeiros fazem lembrar, e se fechou com a conseqüência prevista pelos céticos: o início da Segunda Guerra Mundial. Foram os anos do grande confronto entre a esquerda e a direita, com contradições, idas e vindas, ilusões e tragédias, que os livros registram. Em suma, sinistras lições aos homens, que devem ser meditadas, para que o mundo não volte a ser encharcado de sangue.



Muitas são as teorias que tentam explicar aquela amostra do apocalipse. A mais conhecida é a de que, derrotada e humilhada em 1918, a Alemanha buscava a revanche com Hitler. Para isso, seu líder, encarnando o velho orgulho prussiano, obtivera o apoio da Nação a fim de vingar-se de seus inimigos e expandir o espaço vital, que consideravam necessário à plena realização de seu destino de povo de senhores.



Naqueles anos e meses da República de Weimar, mais do que em outras épocas históricas, as distorções da linguagem serviram para confundir e desorientar os homens. A esquerda buscava construir, na antiga Rússia, uma sociedade socialista. Hitler começou filiando-se a um pequeno partido de trabalhadores, que ele dominaria e o ampliaria no Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Os comunistas e socialistas alemães menosprezaram aquele grupo de bêbados, que se vestiam militarmente e brandiam slogans primários. A Alemanha não é a Itália, declarou, confiante, aos que temiam o totalitarismo no país, Ernst Thälmann, o lendário dirigente do Partido Comunista Alemão, depois de ter sido derrotado nas eleições presidenciais de 1932, por Hindemburg, e da ascensão de Hitler à chefia do governo, à frente da coligação de direita, graças ao apoio dos católicos. Em março de 33, poucas semanas depois, Thälmann seria metido no campo de concentração de Buchenwald, onde foi executado em agosto de 1944.



Os democratas e as organizações de esquerda não souberam unir-se, ali, para a resistência – o que reclamava a construção de uma idéia forte de centro político, a fim de impedir, a tempo, a ascensão dos nazistas. Não souberam unir-se ali, nem em outras nações. O caso mais dramático, fora da Alemanha, foi o da Espanha. Como anotou Salvador de Madariaga, de resto um homem rigorosamente de centro, o malogro da República Espanhola foi o malogro do centro político. Ao crescer o radicalismo tanto na direita quanto na esquerda, não houve espaço para a moderação do centro. Mais poderosa – com a ajuda dos fascistas italianos e dos nazistas, e a total adesão da hierarquia da Igreja Católica – a direita esmagou a República, depois de quase três anos de conflito. De nada valeu a pouca ajuda soviética que conseguia chegar ao país – nem a presença simbólica dos corajosos intelectuais que formaram as Brigadas Internacionais. Madariaga tinha razão: se tivesse havido o entendimento entre os partidos de esquerda, que mal se acomodavam na Frente Popular, e, depois, com as forças de centro, não haveria clima para a insurreição dos generais Sanjurjo, Mola, Queipo de Llano e Francisco Franco. Madariaga foi rigorosamente de centro no eclodir do conflito: como embaixador da República, não tomou partido na guerra, mas se tornou vigoroso opositor da ditadura franquista, e só voltou à Espanha em 1976, depois da morte do ditador.



Menosprezar a direita tem sido, mais do que erro de percepção política, ilusão criminosa. Na mesma Espanha, quando o governo dispunha de informes seguros da conspiração em marcha, o então chefe do governo, Casares Quiroga, recebeu a advertência do serviço secreto republicano com um muxoxo: se eles se levantam, eu vou me deitar. Em 1964 – recordam-se? – as esquerdas, também divididas em nosso país, percorreram as mesmas sendas da ilusão. Não só é vezo da esquerda subestimar as forças adversárias, mas também assusta-las, com os espantalhos da insurreição. Em seu favor milita realmente a ilusão. As Ligas Camponesas, armadas de fé e de espingardas cartucheiras, cresciam seu ilusório poder, diante da classe média em pânico. O mito de Che Guevara empolgava os jovens, da mesma maneira que a invencibilidade cubana, na Bahia dos Porcos, atiçava os ânimos bélicos de muitos de nós, os que vivemos aquele tempo.



Esse excurso ao passado não é por acaso. Estamos em tempo muito parecido aos anos 30. Nos Estados Unidos, um governo que tenta chegar ao centro, o de Obama, é acossado pelo Tea Party e pelos velhos texanos, que sempre estiveram na linha de frente do obscurantismo. Basta recordar que foi em Dallas que a direita eliminou Kennedy, ainda que o jovem presidente, como a história nos mostra, não fosse exatamente um liberal de esquerda. Do Texas vieram Bush pai e Bush filho, e os republicanos agora ameaçam buscar em Rick Perry, seu atual governador, e raivoso direitista, o oponente a Obama nas eleições vindouras.



A Europa caminha rapidamente para a direita, e os governantes buscam justificar a repressão policial como necessária, diante das crescentes manifestações populares contra o desemprego, a redução das pensões, a falta de moradias e de perspectivas para o povo - também comuns nos anos 30. A Espanha recebeu ontem a visita do papa Bento 16, cuja simpatia pela direita é notória. Os espanhóis foram às ruas, protestar contra os gastos governamentais com a recepção ao pontífice, em momento de gravíssima crise econômica interna. Ainda que o papa se tenha declarado contra a lógica do “lucro acima do direito das pessoas”, seus atos não confirmam a retórica. A posição do papa, diante das dificuldades da Península, foi bem exposta em visita anterior a Santiago de Compostela, quando Ratzinger expressou preocupação contra a crescente laicidade dos espanhóis e o seu anticlericalismo, “que lembra os anos 30”, e pediu “nova evangelização” na península. A “evangelização” franquista dos anos 30, apoiada na Opus Dei e no garrote vil, nós já conhecemos. Que outra “evangelização” pretende agora o papa, quando se queixa da liberdade de pensamento na Espanha atual?



A presidente Dilma Roussef atribuiu-se duas missões em seu governo: a de combater a corrupção e a de eliminar a miséria que ainda assola grande parte de nosso povo. E a direita nacional, ainda que com certa dissimulação, começa a articular-se.

Isso vai exigir da esquerda, no diálogo com o centro, grande esforço, para a criação de força política, organizada e articulada, firme em sua ação, a fim de dar suporte à nação, para esta possa enfrentar o vendaval internacional – com a crise econômica, o renascimento brutal do racismo na Europa e a reorganização do nazismo e do fascismo.



A Alemanha, contra o otimismo dos comunistas e socialistas, repetiu, em 30, com mais tragédias, o fascismo italiano. Por pouco, os integralistas não se apossaram do Brasil, nos anos 30. Sofremos o que sofremos sob a direita nacional, a partir de 1964. Essas lições dos anos 30 nos exigem acurada vigilância e a visão real do processo histórico. A direita está aí, firme, construindo sua vez e sua hora.

O TEMPO EXAUSTO

Em todos os séculos houve a percepção de que o mundo chegava a seu fim, com a extinção da vida na Terra, como castigo divino ou inevitável cataclismo. Mas a vida, essa inexplicável rebelião da matéria, que encontra sua perfeição e perversão na existência do homem, consegue impor-se. O preço da sobrevivência é o conflito. Desde que o registro da vida da espécie existe, a existência tem sido a crônica da resistência contra as forças naturais, os outros seres biológicos, feras, bactérias e vírus, e, sobretudo, contra parcelas da própria espécie.

Há uma tese, presente em vários pensadores, e de forma difusa, que explica o conflito básico do homem entre o predador e o solidário. O instinto de caça e de destruição, enfim, de canibalismo direto ou sutil, só consegue ser combatido pela inteligência. A inteligência conduziu o homem a se ver como ser frágil e precário que só poderia sobreviver em comunhão com os outros, multiplicando a força individual, certo de que sua proteção dependia da vida do companheiro. Mas houve o momento em que essa mesma inteligência, que indicava a solidariedade como necessária à existência individual e coletiva, passou a servir ao instinto predador. Ora o homem é o lobo do homem, na definição de Plauto, ora o homem é o anjo do homem, como ocorre, quase todos os dias, no heroísmo de pessoas simples, que chegam a morrer para salvar a vida de outras. Os homens são construtores de sua História. E a História, não obstante a presunção de alguns acadêmicos parvos, como Fukuyama, nunca chegará a seu fim – a menos que o Sol esfrie de repente ou de repente estoure, na impaciência de seus gases comprimidos.

O tempo histórico de vez em quando entra em exaustão. São momentos, que podem durar décadas ou séculos, em que os ritos essenciais da vida são perturbados pelas superestruturas da sociedade, e o indivíduo redescobre a solidariedade, aquele sentimento de que a sua sobrevivência (e sua autonomia como ente, ou aquele que é) só pode ser defendida se contar com o outro. Nesses momentos, para o bem – e, algumas vezes, para o mal – surgem as grandes mudanças, com novas normas de convivência da espécie. Embora possam identificar-se como religiosas ou étnicas, são necessariamente políticas, porque se referem à vida prática dos seres humanos.

Ontem, Londres entrava em seu terceiro dia de tumultos urbanos. Não é a primeira vez que isso ocorre. Além dos protestos sangrentos de Brixton, de há trinta anos, a cidade conheceu o conflito brutal de 1780, em que centenas de católicos foram massacrados pelos protestantes açulados por Lord George Gordon. Vivendo como cidadãos de segunda classe, desde Henrique VIII, os católicos recuperaram sua cidadania de acordo com o Catholic Relief Act, de 1778. Gordon, um nobre frustrado em sua tentativa de fazer carreira no Almirantado, encontrou sua chance para a demagogia, mobilizando os protestantes contra a lei e os levando a queimar propriedades de católicos e a assassiná-los em plena rua. Antes de ser condenado à prisão por rebeldia, Gordon se converteu ao judaísmo. Acabou morrendo na prisão de Newgate.

Há uma diferença entre as agitações urbanas e as revoluções. Como resumia um autor inconveniente, Lenine, sem teoria revolucionária não há revolução. Jean Tulard, um dos melhores historiadores contemporâneos, é seguro quando afirma que as rebeliões populares podem ser facilmente vencidas, seja pela repressão policial, seja pelo engodo por parte do poder. As revoluções necessitam de um esforço intelectual poderoso, de líderes que pensem uma nova ordem e a imponham no exercício da razão. Esses líderes podem surgir no desenvolvimento natural das rebeliões, como ocorreu na França de 1789, depois da Queda da Bastilha, ou em demoradas e pacientes carreiras políticas.

Londres repete, com a mesma impaciência, o que está ocorrendo em várias partes do mundo, e parece provável que virá a ocorrer nas regiões ainda preservadas. O tempo, e nele, os homens, parecem exaustos do modelo da sociedade contemporânea, baseado na competitividade, na voracidade do consumo e do lucro. É uma sociedade contraditória. De um lado, a aplicação tecnológica das descobertas científicas torna a vida mais confortável e mais durável, mas não parece que isso responda aos anseios mais profundos da espécie. E, ainda pior: a tecnologia torna a crueldade mais organizada e mais eficaz. O nazismo foi a mais perfeita utilização da tecnologia para o assassinato em massa de toda a História. Os norte-americanos os repetem, desde a Guerra do Golfo, no Oriente Médio.

Como em outras épocas, a civilização se encontra diante de uma ruptura. O sistema econômico, submetido ao domínio do capital financeiro, entra em crises sucessivas, com a criminosa especulação dos operadores no mercado de capitais. Os indignados, com razões maiores ou menores, se multiplicam. A internet substitui – é outra das surpresas da tecnologia – os agitadores de rua, na condução dos protestos. Falta apenas a ideologia, a que se referem, entre outros, Lenine e Tulard.

A mesma espécie de sábios que decretou o fim da História, com o triunfo da globalização neoliberal, decretara antes o fim das ideologias. A ordem do raciocínio é a mesma: o capitalismo, premiando os audazes e persistentes, liquidaria as ideologias. Na realidade, eles pensavam em uma só ideologia, o que é correto, do ponto de vista lógico: o fim do pensamento de esquerda, com o domínio absoluto da ordem da direita, contra a “anarquia” libertária, acabaria com os lados ideológicos. Onde predomina o pensamento único – no caso, o neoliberal - as idéias se encontram castradas, mortas.

Mas a ideologia não é uma diversão da inteligência. Ela corresponde a interesses humanos bem claros e definidos. Os homens, mesmo quando submetidos ao sofrimento mais terrível, não deixam de aspirar à felicidade. O que difere é o conceito de felicidade de cada um. Para os lúcidos, a felicidade é altruísta. Assim a sentem, por exemplo, os patriotas, quando seu país cresce em prosperidade, e todos vivem em paz e têm a mesma oportunidade de realização. Não pode haver segurança pessoal e o conforto que o trabalho permite, enquanto houver crianças famintas e adolescentes perdidos no turbilhão da miséria, das drogas e do crime. Em uma sociedade como a que nos cabe, ainda não podemos ser felizes, se possuirmos sentimento de pátria. A pátria não é referência geográfica, é uma reunião de seres humanos que falam a mesma língua e têm projetos comuns. Como resumiu Renan, a nação é o ato cotidiano de solidariedade. Os grandes interesses, que manipulam os meios de informação, para manter os povos submissos, inoculam os vírus da intolerância para com os diferentes, e pervertem as parcelas mais débeis dos povos, transformando-as em hordas de predadores e assassinos. Isso ocorre em todos os países do mundo, porque é inerente ao sistema mundial de domínio.

Submetidas à insânia construída e mantida pelo controle da indústria cultural, muitas pessoas só se sentem felizes no usufruto da desigualdade e da injustiça. São aquelas cuja fortuna só lhes serve para a soberba e a intolerância. Há muitos homens ricos que escapam dessa maldição. Lembro-me de uma confidência que me fez, quando participávamos da Comissão Arinos, o industrial Antonio Ermírio de Moraes, cuja posição no grupo de estudos era de centro-esquerda: ele se sentia tranqüilo porque não fazia de sua fortuna uma ofensa a ninguém. Guardava os seus domingos para servir aos outros, na direção de um grande hospital, e não os usava para a ostentação e o hedonismo. Ele, como alguns outros empresários brasileiros, como foi José Alencar, são daqueles que se orgulham mais do número de empregos que criam, do que do conforto e do poder de que podem desfrutar. Mas há – e não só entre os ricos, mas também entre os pobres alienados – aqueles que só se sentem felizes diante da infelicidade alheia. Só são ricos porque vivem em um mundo de pobres. A partir dessa simplificação, podemos concluir que há, sim, e continuará havendo, duas ideologias, direita e esquerda, com suas pequenas variantes no espectro doutrinário.

A extrema-direita só pode impor-se mediante a fraude e o terror. Ela sempre se valeu da combinação dos dois expedientes que, na perfeita síntese da Igreja Católica e da Reforma dos tempos inquisitoriais, se fazia mediante o pavor do inferno, reproduzido no mundo com as torturas, os massacres mútuos de católicos e protestantes, e a hipocrisia da caridade, a fim de garantir a submissão dos oprimidos, com o uso alternado da piedade e da forca, como resumiu um conservador lúcido, Bronislaw Geremek.

Como em todas as grandes mudanças históricas, aguarda-se a intervenção da inteligência, a fim de conduzir a revolução que as ruas anunciam, nos paises árabes, nas praças espanholas e nos bairros de Londres - não só os “sujos” de imigrantes negros e morenos, como Tottenham, mas também em áreas centrais, como a de Oxford City.

A última manifestação de rebeldia que contou com a presença de grandes intelectuais foi a eclosão da juventude, em 1968. Os homens que deram o suporte de suas idéias ao movimento, como Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Max Horkheimer, Jean Paul Sartre, já não existem. Os pensadores de hoje parecem acomodados. Não aparentam dispor da chama interior próxima dos jovens que queriam amar e expressar seu inconformismo com o mal-estar de um mundo unidimensional e injusto, como os que se rebelaram em Paris, em maio de 1968 – e, em seguida, no resto do Ocidente.

O tempo está exausto, mas é provável que se canse da própria exaustão, a fim de, tal como em outras épocas, provocar o fulgor da inteligência e dar a alguns homens não só idéias fortes, mas também o poder de, com elas, convocar a consciência solidária e essencial dos homens, contra os novos bárbaros.

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:

http://contrapontopig.blogspot.com/2011/08/contrapnto-5991-o-tempo-exausto-1.html

http://correiodobrasil.com.br/o-tempo-exausto-1/282346/

http://www.kaosenlared.net/noticia/o-tempo-exausto

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http://informaticacidadania.blogspot.com/2011/08/london-falta-apenas-ideologia.html

http://joserosafilho.wordpress.com/2011/08/11/o-homem-e-o-lobo-e-o-anjo-do-homem/

http://www.brasilautogestionario.org/revolucoes/%E2%80%9Crevoltas-no-mundo-e-a-ausencia-da-teoria%E2%80%9D-por-mauro-santayana/







O século passado teve como eixo a década de 30. Ela se iniciou com a crise econômica mundial, que estas últimas horas de angústia nos mercados financeiros fazem lembrar, e se fechou com a conseqüência prevista pelos céticos: o início da Segunda Guerra Mundial. Foram os anos do grande confronto entre a esquerda e a direita, com contradições, idas e vindas, ilusões e tragédias, que os livros registram. Em suma, sinistras lições aos homens, que devem ser meditadas, para que o mundo não volte a ser encharcado de sangue.



Muitas são as teorias que tentam explicar aquela amostra do apocalipse. A mais conhecida é a de que, derrotada e humilhada em 1918, a Alemanha buscava a revanche com Hitler. Para isso, seu líder, encarnando o velho orgulho prussiano, obtivera o apoio da Nação a fim de vingar-se de seus inimigos e expandir o espaço vital, que consideravam necessário à plena realização de seu destino de povo de senhores.



Naqueles anos e meses da República de Weimar, mais do que em outras épocas históricas, as distorções da linguagem serviram para confundir e desorientar os homens. A esquerda buscava construir, na antiga Rússia, uma sociedade socialista. Hitler começou filiando-se a um pequeno partido de trabalhadores, que ele dominaria e o ampliaria no Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Os comunistas e socialistas alemães menosprezaram aquele grupo de bêbados, que se vestiam militarmente e brandiam slogans primários. A Alemanha não é a Itália, declarou, confiante, aos que temiam o totalitarismo no país, Ernst Thälmann, o lendário dirigente do Partido Comunista Alemão, depois de ter sido derrotado nas eleições presidenciais de 1932, por Hindemburg, e da ascensão de Hitler à chefia do governo, à frente da coligação de direita, graças ao apoio dos católicos. Em março de 33, poucas semanas depois, Thälmann seria metido no campo de concentração de Buchenwald, onde foi executado em agosto de 1944.



sábado, 6 de agosto de 2011

EUA: O MITO E SUA HISTÓRIA

Toda reconstrução histórica, por mais isento seja o pesquisador, corre o risco de se transformar em mitologia. Os heróis crescem em cada nova versão de seus feitos, geração após geração. Homero, em sua cegueira, viu os heróis míticos – já agigantados nas rapsódias de poetas anônimos e mais antigos – sob o esplendor de suas luzes interiores. Os rochedos e as correntes marinhas do estreito de Messina se transformam em monstros e sereias. Os prováveis conquistadores da pequena cidade costeira de Tróia e seus defensores se elevam à natureza de titãs.

As cores, na alma dos cegos, são muito mais intensas, e, da mesma forma, maiores os gigantes, mais rijos os heróis; a morte, quanto mais terrível, mais gloriosa. Mas os cegos não são apenas aqueles desprovidos da visão convencional. Confirmando o ditado popular, piores são os cegos que não querem ver.

Quando surgem os destruidores de mitos, nascem os construtores do homem. O mais belo dos mitos, o do Cristianismo, é, na sua essência, o não mito: é na debilidade de um homem açoitado, vaiado por seus conterrâneos, desdenhado e crucificado, que o verdadeiro cristianismo levanta seus alicerces.

Todos os povos temem confrontar-se com seus próprios mitos. E quanto mais grandiosos eles sejam, mais dramática é a tarefa de reduzi-los aos módulos humanos. Os Estados Unidos são o mais mitológico dos paises modernos, e é no embalo dessa mitologia que eles foram construindo o seu destino. Há um livro de leitura obrigatória sobre a reconstrução de seu passado, traduzido ao português, Mitos sobre a fundação dos Estados Unidos, do historiador americano Ray Raphael, publicado pela Civilização Brasileira em 2004. O autor desmonta os mais fascinantes mitos da Revolução e da criação da República, da famosa marcha de Paul Revere à Declaração da Independência e aos feitos bélicos de George Washington. Paul Revere foi um dos três mensageiros que alertaram contra a movimentação dos ingleses – e não o único “cavaleiro da meia-noite” do mito; Jefferson foi apenas um dos cinco redatores da Declaração da Independência, e não seu autor solitário; as tropas rebeldes cometeram tantas atrocidades contra os civis quanto as realistas. Enfim, a mitologia dos pais fundadores surgiu de autores que reescreveram a História, décadas depois, durante o período de afirmação nacionalista e da presunção do “Destino Manifesto”, na segunda metade do século 19.

É certo que todas as nações necessitam de heróis, mas esses heróis são bem maiores quando se trata de homens comuns, com seus temores, suas fraquezas, suas incertezas. Em 1908, outro livro, de título semelhante, e citado por Ray Raphael – Mitos e fatos da Revolução Americana – mostra a raiz da distorção histórica:

Que utilidade política pode haver em descobrir, ainda que seja verdade, que Washington não era assim tão sábio, nem Warren tão corajoso, nem Putnam tão aventuroso, nem Bunker Hill disputado heroicamente, como se tem acreditado? Chega de tanto ceticismo, dizemos; e da crítica bisbilhoteira com a qual às vezes se tenta sustenta-lo. Essas crenças, de qualquer modo, tornaram-se reais para nós quando penetraram na própria alma da nossa história e formaram o estilo de nosso pensamento nacional. Tira-las, agora, seria uma desorganização danosa da mente nacional”.

A História oficial norte-americana tem suas razões para raras vezes citar o mais inquietante de seus personagens, o jornalista inglês Tom Payne. Payne era o tipo perfeito do anti-herói: cachaceiro, utópico defensor de uma sociedade igualitária, pregador da educação para todas as crianças pobres, sonhador de uma “justiça agrária”, e autor do mais importante paper em favor da Independência, The Common Sense. Ele era, em tudo por tudo – até mesmo pelo seu autodidatismo – o contrário dos aristocratas virginianos e bostonianos que a mitologia americana cultua como os pais fundadores.

De mito em mito, os norte-americanos construíram sua civilização e, diga-se a verdade, amedrontaram grande parte do mundo. Agora, no entanto, começam a descobrir a sua própria verdade, ao mesmo tempo que vêem crescer o apelo à mitologia. A direita norte-americana recorre ao famoso episódio da revolta contra a tributação do chá – outro mito desfeito por Ray Raphael – e tenta amarrar-se à ficção histórica, com a presunção de que possa reeditar o “Destino Manifesto” de John L. Sullivan, de 1845, texto visto como justificação ideológica para a guerra de conquista contra o México, que se iniciaria no ano seguinte.

Há quem preveja nova guerra civil nos Estados Unidos, e essa profecia, que pode parecer insana, encontra alguma base na divisão nítida entre os republicanos envenenados pela mitologia do Tea Party e a população pobre que irá pagar pela avidez doentia de seus banqueiros e chefes militares.

Os tempos são novos. Não estamos mais no governo de Roosevelt e seu “new deal”. Diante da crise de 1929, que se estendeu até sua posse, o presidente valeu-se dos recursos fiscais acumulados, a fim de socorrer os trabalhadores, criando empregos para tarefas até mesmo desnecessárias, mas não dando dinheiro aos banqueiros nem aos outros especuladores no mercado de capitais, que haviam provocado o desastre. Pouco a pouco, a população se torna a cada dia mais bem informada, e não é improvável que os descontentes venham a organizar-se.

Os donos do poder nos Estados Unidos continuam insistindo nas versões “patrióticas” construídas pelos interesses das famílias no poder, mas começa a crescer a consciência da realidade. As derrotas sucessivas mostram que a invencibilidade militar ianque é outro mito, e é melhor somar-se à Humanidade do que pretender dominá-la.

A GUERRA E SUAS VERSÕES

As guerras podem ser necessárias ou inevitáveis, segundo alguns. O que as torna mais insuportáveis é que nunca se concluem. Mesmo as contendas míticas, como a de Tróia, permanecem com sucessivas versões dramáticas, em que o heroísmo de alguns é contestado, e a astúcia de outros, execrada.

Neste mês de julho, há 67 anos, o primeiro escalão da FEB desembarcava em Nápoles. Os combatentes eram o sumo da sociedade brasileira de então, em que predominavam as atividades rurais. Mas parte deles procedia da classe média das cidades – como foram os pilotos do Primeiro Grupo de Caça. Há, até hoje, quem faça reparos à nossa participação no grande conflito. Resumo de um livro em que os brasileiros são desdenhados, editado na Itália há algum tempo, está circulando na internet, “Il Brasile in guerra. La partecipazione de la Força Expedicionária Brasileira alla campagna d’Itália, 1944-45, de Andréa Giannasi.

Diz o autor que mais de dois terços dos recrutas foram dispensados com os primeiros exames médicos do Exército ainda no Brasil: eram portadores de verminose, alguns estavam tuberculosos e havia muitos sifilíticos. Isso era verdade entre nós, mas, pelo que sabemos, a sociedade da Itália Meridional de então não era mais saudável. O autor procura menosprezar a necessidade e a importância do Brasil no conflito, e – como muitos analistas – busca atribuir a participação a uma questão de vaidade nacional, que teria custado tantas perdas humanas ao país. Vamos admitir essa razão de natureza política e, em algum momento, de planejamento histórico. Se os aliados ganhassem a guerra, como esperávamos – e ocorreu – o Brasil emergeria do conflito em posição destacada no continente, e no mundo. Não se tratava de razão menor, e procurava afastar um grande risco: se os nazistas ganhassem o conflito, o Sul do Brasil se transformaria, com a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e parte da Bolívia, na desejada “Germânia Austral”, o mais obsessivo dos projetos de Hitler. Não nos esqueçamos do que ocorria nos estados meridionais, de poderosa presença alemã e italiana. Além dos representantes diplomáticos e consulares, havia, na região, os delegados do Partido Fascista italiano e do Partido Nacional-Socialista da Alemanha. Os dois governos financiavam centenas de escolas em que se ensinavam o alemão e o italiano. Em São Paulo era numerosa a presença japonesa. Era poderosa pressão interna para que nos juntássemos ao Eixo, contra os aliados. E havia ainda os integralistas de Plínio Salgado, e outros.

Havia razões não só morais, na reação ao racismo germânico, como de geopolítica, para ficar ao lado dos aliados ocidentais. A declaração de guerra, no entanto, só veio depois da agressão abjeta que sofremos, na costa de Sergipe, com o afundamento de navios nacionais. Tive o privilégio de examinar os documentos alemães do período, e o que mais me tocou foi o Diário de Guerra do submarino U-507 que exerceu, sob a ordem direta de Hitler, a “caça livre” às embarcações brasileiras no quadrado marítimo escolhido. O comandante Harro Schacht anotou em seu Tageskrieg que, ao emergir na área, avistou um veleiro precário (tratava-se de um pequeno saveiro), cujo “capitão” saudara, sorrindo, o submarino, acenando com seu chapéu de palha. Schacht não o poupou: como a caça fosse diminuta, não gastou com ela torpedo: mergulhou e soltou uma bomba de profundidade, emergindo em seguida. De acordo com suas ordens de guerra, não se dispôs a salvar nenhum dos náufragos.

A agressão da costa de Sergipe provocou irada reação do povo brasileiro. Propriedades de alemães e italianos foram destruídas e saqueadas. O povo foi às ruas para exigir a guerra aos atacantes. E foi a morte de mais de mil brasileiros nesses ataques que nos levou à imediata declaração de guerra e à preparação do corpo expedicionário que enviamos à Itália.

Os nossos combatentes foram de extraordinária bravura na Europa. Eles, em sua maioria mestiços e homens do campo, eram rapazes simples. Não tinham o porte atlético dos nibelungos nórdicos, embora também participassem da FEB brasileiros descendentes de alemães e italianos, como o Sargento Wolff, um dos mais bravos heróis de nossas tropas. E foram esses homens simples que, com a sagrada ira da vingança contra a agressão traiçoeira e a bravura nos olhos e na alma, tomaram Monte Castelo, depois de duas tentativas frustradas, com terríveis baixas de nosso lado e se fizeram ainda mais valentes na conquista de Montese. Esses mesmos combatentes, em poucos dias, capturaram dois generais, oitocentos oficiais e 14.700 soldados alemães, em suma, a inteira 148ª. Divisão da Wehrmacht.

O mesmo heroísmo tiveram os jovens pilotos da FAB, quase todos da pequena classe média brasileira. Eram rapazes que haviam adquirido seus brevês pilotando leves aviões de lona, ou que aprenderam a voar para participar da expedição à Itália. Vinte e dois deles tombaram durante as missões.

O editor Leo Christiano reeditou, recentemente, os 34 números de “O Cruzeiro do Sul”, jornal dos pracinhas na Itália. Em seu segundo número, de 7 de janeiro de 1945, o jornal publica crônica de Rubem Braga que deve ser relida sempre. Depois de narrar o dia a dia de duro sacrifício do soldado da FEB, em sua “toca de raposa”, em terreno congelado - buraco onde deviam situar-se para o combate - o grande cronista lembra o dever dos cidadãos brasileiros para com o pracinha sem nome:

“Vocês são responsáveis pelo país dele, para onde ele voltará. Vocês, e não ele, são responsáveis por uma vida de decência, de liberdade do homem, de justiça social verdadeira. Que o sacrifício dele não seja em vão”.

Quando o sentimento de pátria se encontra tão desprezado em nosso país, o apelo de Rubem Braga, nesse texto de há 66 anos, é pleno de atualidade. Mais ainda no que se refere à decência.

O RETORNO À TRIBO

Li, com pavor, o documento “A European Declaration of Independence – 2083”, assinado por Anders Behring Brejvik, o exterminador de adolescentes de Oslo. O texto, em seu todo, é incongruente, repetitivo e capenga. Mas em seu início, revela bom conhecimento histórico – sempre distorcido, é certo - e a leitura fundamental da filosofia política, sobretudo dos autores marxistas, com predileção pela Escola de Frankfurt, a que ele atribui a difusão do “marxismo cultural”. É difícil acreditar que Brejvik, aos 32 anos, dedicados, em sua maior parte à caçada, ao fisioculturismo e aos jogos eletrônicos, seja portador do conhecimento ali exposto.

Não parece provável que ele tenha sido o único redator do documento, a não ser nas instruções para a preparação de explosivos, a partir de substâncias fertilizantes, e para o uso de armas. Trata-se, pelo que se deduz, de um documento coletivo ou, pelo menos, redigido com a participação de algum teórico do racismo de extrema-direita. No conjunto, no entanto, o texto faz lembrar outros documentos dos nazistas e fascistas – como é o caso de Mein Kampf. Ele, equivocadamente, nomeia Lukacs entre os fundadores da Escola de Frankfurt. O pensador húngaro é autor de extraordinário ensaio sobre a insânia do nazismo, “Die Zerstörung der Vernunft” (A destruição da razão), publicado em 1954. Cita Erich Fromm, Horkheimer, Adorno e Marcuse, entre outros. O provável co-autor do texto deve ter lido as obras marxistas que cita.

Como todos os documentos dessa natureza, redigidos a partir de uma visão maniqueísta do mundo, o manifesto de Brejvik é capaz de apodrecer a razão de muitas pessoas, desprovidas dos postulados básicos do Humanismo. Daí o terrível paradoxo em ele se identificar como “fundamentalista cristão”. O cristianismo é o contrário do que ele prega. A mensagem do racismo é simples, e pode perverter os desavisados e, assim, a lógica histórica: todos os que são diferentes não pertencem à minha mesma natureza, logo, são inimigos que devo eliminar. O segundo momento do racismo, que tem raízes na pré-história, é o da ocupação de espaço. A idéia do “espaço vital”, como revelam os livros elementares de antropologia, vem da disputa do território de caça pelas tribos primitivas. O “espaço europeu”, na visão desses racistas herdeiros da confusão mental de Gobineau e outros, está invadido pelo Islã. Essa migração, como qualquer pessoa bem informada disso sabe, resulta não de um projeto de conquista – como poderia ter sido a dos muçulmanos que invadiram militarmente a Europa no século 8 – mas da exploração impiedosa pelos países europeus (e, mais recentemente, pelos Estados Unidos) dos recursos do Oriente Médio. Essa ânsia de saqueio do petróleo – e outros recursos - promoveu as guerras brutais contra os povos daquela região. É natural que busquem onde possam sobreviver.

O assassino de Oslo cita várias vezes o Brasil como exemplo do caos da miscigenação. Atribui, a essa promiscuidade “racial”, as desigualdades e a corrupção. Ele pode citar o seu próprio país como exemplo de coesão nacional e alguma igualdade social (da qual, como se sabe, estão excluídos os imigrantes), mas se esquece de que uma nação de grandes recursos naturais, de menos de cinco milhões de habitantes, equivalente a uma das capitais brasileiras, é quase tão fácil de governar como o rico Principado de Mônaco. E, ao contrário do que insinua o texto, não são os mestiços, pobres em sua maioria, os principais corruptos, mas, sim, a elite branca, que descende dos colonizadores europeus.

É um erro considerar o massacre de Oslo como ato isolado de um psicopata. A psicopatia de homens como Brejvik tem origem na patologia da injustiça da civilização contemporânea. Como apontou Melanie Philipps, do Daily Mall, “Brejvik talvez seja um psicopata desequilibrado, mas o que emerge agora de seu ato atroz é o delírio de uma cultura ocidental que perdeu a sua razão”.

Outra opinião importante, essa de um sociólogo norueguês, que se dedica ao estudo dos problemas da guerra e da paz, Johan Gulgag, é a de que “é fácil “psiquiatrizar” o ato de Brejvik, e não ver a gravidade das idéias” que devem ser combatidas agora e em todos os paises da Europa, antes que seja tarde.

A democracia não pode ser tolerante com os que proclamam o genocídio como ato político, e o assassinato em massa como virtude. Hitler não enganou ninguém. Quando havia ainda tempo de fechar-lhe o caminho, paises como a Grã Bretanha e da França foram cúmplices tolerantes da anexação da Áustria e dos Sudetos. Essa atitude promoveu a ereção dos fornos crematórios de Auschwitz e a morte, em combate e no massacre à população civil, de cerca de 50 milhões de seres humanos.

Como alguém lembrou, os muçulmanos de hoje são os judeus, os ciganos, os eslavos e os comunistas de ontem. E os judeus de Tel Aviv não são mais os que resistiram ao assalto ao Gueto de Varsóvia.


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OS ASSALTANTES DA CONSCIÊNCIA

Muitos cometemos o engano de atribuir a Goebbels a idéia da manipulação das massas pela propaganda política. Antes que o ministro de Hitler cunhasse expressões fortes, como Deutschland, erwacht!, Edward Bernays começava a construir a sua excitante teoria sobre o tema.

Bernays, nascido em Viena, trazia a forte influência de Freud: era seu duplo sobrinho. Sua mãe foi irmã do pai da psicanálise, e seu pai, irmão da mulher do grande cientista. Na realidade, Bernays teve poucas relações pessoais com o tio. Com um ano de idade transferiu-se de Viena para Nova Iorque, acompanhando seus pais judeus. Depois de ter feito um curso de agronomia, dedicou-se muito cedo a uma profissão que inventou, a de Relações Públicas, expressão que considerava mais apropriada do que “propaganda”. Combinando os estudos do tio sobre a mente e os estudos de Gustave Le Bon e outros, sobre a psicologia das massas, Bernays desenvolveu sua teoria sobre a necessidade de manipular as massas, na sociedade industrial que florescia nos Estados Unidos e no mundo. O texto que se segue é ilustrativo de sua conclusão:

“ A consciente e inteligente manipulação dos hábitos e das opiniões das massas é um importante elemento na sociedade democrática. Os que manipulam esse mecanismo oculto da sociedade constituem um governo invisível, o verdadeiro poder dirigente de nosso país. Nós somos governados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos formados, nossas idéias sugeridas amplamente por homens dos quais nunca ouvimos falar. Este é o resultado lógico de como a nossa “sociedade democrática” é organizada. Vasto número de seres humanos deve cooperar, desta maneira acomodada, se eles têm que conviver em sociedade. Em quase todos os atos de nossa vida diária, seja na esfera política ou nos negócios, em nossa conduta social ou em nosso pensamento ético, somos dominados por um relativamente pequeno número de pessoas. Elas entendem os processos mentais e os modelos das massas. E são essas pessoas que puxam os cordões com os quais controlam a mente pública”.

Bernays entendeu que essa manipulação só é possível mediante os meios de comunicação. Ao abrir a primeira agência de comunicação em Nova Iorque, em 1913 – aos 22 anos – ele tratou de convencer os homens de negócios que o controle do mercado e o prestígio das empresas estavam “nas notícias”, e não nos anúncios. Foi assim que inventou o famoso press release. Coube-lhe também criar “eventos”, que se tornariam notícias. Patrocinou uma parada em Nova Iorque na qual, pela primeira vez, mulheres eram vistas fumando. Contratou dezenas de jovens bonitas, que desfilaram com suas longas piteiras – e abriu o mercado do cigarro para o consumo feminino. Dele também foi a idéia de que, no cinema, o cigarro tivesse, como teve, presença permanente – e criou a “merchandising”. É provável que ele mesmo nunca tenha fumado – morreu aos 103 anos, em 1995.

A prevalência dos interesses comerciais nos jornais e, em seguida, nos meios eletrônicos, tornou-se comum, depois de Bernays, que se dedicou também à propaganda política. Foi consultor de Woodrow Wilson, na Primeira Guerra Mundial, e de Roosevelt, durante o “New Deal”. É difícil que Goebbels não tivesse conhecido seus trabalhos.

A técnica de manipulação das massas é simples, sobretudo quando se conhecem os mecanismos da mente, os famosos instintos de manada, aos quais também ele e outros teóricos se referem. O “instinto de manada” foi manipulado magistralmente pelos nazistas e, também ali, a serviço do capitalismo. Krupp e Schacht tiveram tanta importância quanto Hitler. Mas, se sem Hitler poderia ter havido o nazismo, o sistema seria impensável sem Goebbels. E Goebbels, ao que tudo indica, valeu-se de Bernays, Le Bon e outros da mesma época e de idéias similares.

A propósito do “instinto de manada” vale a pena lembrar a definição do fascismo por Ortega y Gasset: um rebanho de ovelhas acovardadas, juntas umas às outras pêlo com pêlo, vigiadas por cães e submissas ao cajado do pastor. Essa manipulação das massas é o mais forte instrumento de dominação dos povos pelas oligarquias financeiras. Ela anestesia as pessoas - mediante a alienação - ao invadir a mente de cada uma delas, com os produtos tóxicos do entretenimento dirigido e das comunicações deformadas. É o que ocorre, com a demonização dos imigrantes “extracomunitários” nos países europeus, mas, sobretudo, dos procedentes dos países islâmicos. Acossados pela crise econômica, nada melhor do que encontrar um “bode expiatório”- como foram os judeus para Hitler, depois da derrota na Primeira Guerra - e, desesperadamente, organizar nova cruzada para a definitiva conquista da energia que se encontra sob as areias do Oriente Médio. Se essa conquista se fizer, há outras no horizonte, como a dos metais dos Andes e dos imensos recursos amazônicos. Não nos esqueçamos da “missão divina” de que se atribuía Bush para a invasão do Iraque – aprovada com entusiasmo pelo Congresso.

É preciso envenenar a mente dos homens, como envenenada foi a inteligência do assassino de Oslo – e desmoralizar, tanto quanto possível, as instituições do Estado Democrático – sempre a serviço dos donos do dinheiro. Quem conhece os jornais e as emissoras de televisão de Murdoch sabem que não há melhor exemplo de prática das idéias de Bernays e Goebbels do que a sua imensa empresa.

São esses mesmos instrumentos manipuladores que construíram o Partido Republicano americano e hoje incitam seus membros a impedir a taxação dos ricos para resolver o problema do endividamento do país, trazido pelas guerras, e a exigir os cortes nos gastos sociais, como os da saúde e da educação. Essa mesma manipulação produziu Quisling, o traidor norueguês a serviço de Hitler durante a guerra, e agora partejou o matador de Oslo.


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O MONOPÓLIO E A LIBERDADE

Imaginemos, já que a isso não nos impedem, o que seria da França de 1789 a 1793, se os mais de duzentos jornais que circularam em Paris pertencessem a um só homem. Se esse homem fosse girondino, a revolução seria paralisada e contida; se fosse jacobino, nada a moderaria, em sua incontida fúria durante o Terror. Ampliemos essa hipótese, e imaginemos que todos os meios de comunicação do mundo pertençam, em um futuro qualquer, a uma única empresa. Como todos sabem, o acionista majoritário de qualquer empresa tem mais poder em seu universo de mando, do que o chefe de estado democrático, dependente de dois outros poderes em vigilância permanente.

Pensemos agora no Sr. Rupert Murdoch e seus duzentos veículos de comunicação na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália, com interesses também poderosos na América Latina e na Ásia. Há 58 anos, Murdoch era herdeiro de um pequeno jornal em Adelaide, na Austrália. Pouco a pouco foi expandindo a sua rede no país e, quando pôde chegou à Grã Bretanha e aos Estados Unidos. Como todas as grandes empresas de comunicação, o seu império tem uma ideologia e, nos países em que atua, seu partido e homens públicos de sua confiança. Murdoch sabe que, nos tempos modernos, os partidos já perderam seus princípios ideológicos, e que tanto os conservadores como os trabalhistas, na Grã Bretanha, quanto os republicanos nos Estados Unidos, são separados por frágeis artifícios retóricos.

Foi assim que, depois de apoiar os governos de Thatcher e Major, na Inglaterra, somou-se a Blair e a Gordon Brown, e, agora, seus jornais estão na retaguarda de David Cameron. Nos Estados Unidos, no entanto, Murdoch ainda não “digeriu” Obama. Continua fiel aos republicanos de Reagan e dos dois Bushes.

Os jornais de Murdoch que lhe dão mais lucro e leitores são papéis de sarjeta, mas financiam os prestige papers, dos quais se vale para, em linguagem mais séria e elegante, sustentar posições políticas conservadoras. A fim de manter tiragens elevadas, ele aprimorou a técnica dos blood papers famosos, britânicos e não britânicos – como o Bild Zeitung, de Hamburgo, o mais notável dos tablóides da direita alemã. O Bild é tablóide na linguagem e, no formato é tradicional, broadsheet. A linguagem dos tablóides, como a de certos programas populares de televisão, é a mais adequada para o proselitismo político das massas. Os jornalões que possui servem para conferir-lhe o simulacro de respeitabilidade.

A tablodização da política é o grande escopo dos jornais e das emissoras de televisão controladas pelo Sr. Rupert Murdoch, que não é personagem vulgar, como Berlusconi, mas homem de excelente formação universitária em Oxford. Ele, que começou a vida aos 21 anos, editando o jornal da família, sabe muito bem o que determinar aos editores de sua imensa rede de tablóides: é preciso atrair os leitores com um jornalismo policial ágil e de suspense, com a continuidade nervosa das matérias, como nos filmes de Hitchcok. Para isso, todos os meios parecem adequados, entre eles o conluio abjeto entre os chefes de redação e os policiais, como os dirigentes da Scotland Yard, o uso de delatores, detetives e informantes, mediante pagamento e a interceptação telefônica. Convém lembrar a atuação canalha da Scotland Yard no caso do brasileiro Jean Charles (também vítima do News of the World, segundo se informa).

A revelação de que o jornal agiu de forma tão criminosa no caso de Milly Dowler – o que faz seus responsáveis cúmplices de Levi Bellfield, o serial killer que assassinou a menina de 13 anos – só ocorreu recentemente. E foi encontrado morto o jornalista Sean Hoare, que denunciou a prática de escutas ilegais e manipulação eletrônica dos telefones pela redação do jornal de Murdoch. É uma macabra coincidência, se coincidência for – e mesmo as coincidências têm raízes na realidade.

O escândalo está abalando a velha Inglaterra, e o primeiro ministro conservador David Cameron não conseguiu dizer coisa com coisa em seu comparecimento à Câmara dos Comuns. Sua resposta aos parlamentares da oposição foi pífia. Aos quarenta e cinco anos, o primeiro ministro está longe, muito longe, de homens que ocuparam, no passado, o mesmo cargo. Era bem diferente e distante dos dois jovens Pitt que ocuparam o mesmo cargo no século 18: o “velho”, pai, aos 44 anos, e o “jovem”, filho, aos 24 – ambos gigantes da política, como foi também Churchill no século passado. Foram lamentáveis diante da História os argumentos de Cameron, em pouco diferentes da mediocridade oratória de Thatcher e Major e dos mentirosos Blair e Brown.

O problema é que muitos europeus advogam a extinção da liberdade de imprensa, a fim de impedir crimes como os dos jornais de Murdoch. O problema é outro: é o da concentração dos meios de comunicação em empresas capitalistas que não oferecem informações e opiniões divergentes, mas, sim, vendem escândalos e chantageiam os políticos, além de servirem a projetos ideológicos totalitários.

A liberdade de expressão para todos é necessária. O monopólio da propriedade dos meios de comunicação é nocivo. Uma serve aos homens; a outra serve à tirania e à injustiça.


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O TITANIC E O MAR DE ICEBERGS

O ministro das Finanças da Itália, Giulio Tremonti, advertiu que “a Europa pode afundar, como o Titanic”. Desde a crise norte-americana que os observadores anunciam o desastre. Entre as várias causas está a ilusão de que é possível unificar a Europa, a partir da economia. Enquanto todos os países se encontravam mais ou menos na mesma situação, foi possível estabelecer a Comunidade do Carvão e do Aço e, pouco a pouco, criar os mecanismos de integração.

O Tratado de Roma foi assinado por países que se encontravam mais ou menos na mesma situação: Alemanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. Ao ampliar-se a comunidade, com a adesão de países periféricos, começaram a surgir os problemas de convivência. Os que chegavam, chegavam com mais necessidades. Os estadistas europeus atuaram com grande sensibilidade, acossados pela memória das guerras continentais, principalmente a de 1914 a 1918 e a de 1939 a 1945.

A criação do euro, em 1998 (entrando em circulação em 1º de janeiro do ano seguinte) culminou o processo de integração, mas ficaram, e astutamente, fora da moeda única a Inglaterra e outros países. Ora, tratava-se de uma sociedade em que havia ricos e havia pobres. Não era possível que, em um passe de mágica, países de economia relativamente débil — como Espanha e Portugal, que ao integrar-se ainda não se haviam recuperado das ditaduras de direita — pudessem andar no mesmo passo.

Os países ricos os favoreceram com financiamentos, alguns, como para certas obras de infraestrutura, a fundo perdido. Mas todas essas medidas não eliminavam as dificuldades da adoção de uma moeda única em economias tão desiguais. Embora a União Europeia pudesse aconselhar determinadas providências de ordem tributária e de política social, a autonomia política impedia, e é bom que assim seja, uma ação comum ditada pelos mais fortes.

A situação vinha sendo administrada, bem ou mal, até que a queda do Muro de Berlim estimulou os centros mundiais do poder financeiro a deixarem os seus cuidados retóricos e decretarem, com insolência, a prevalência do mercado contra o estado. Com a cumplicidade dos governantes (e, no capítulo, estivemos muito mal), caíram as fronteiras alfandegárias, desnacionalizou-se a indústria dos países periféricos e se privatizaram as empresas públicas.

Os centros de decisão se transferiram dos gabinetes presidenciais e dos parlamentos para os encontros, discretos uns e ostensivos outros, dos grandes financistas que controlam o dinheiro do mundo. Ocorre que ética e lógica caminham juntas, como filhas da razão. Quando uma se ausenta, a outra desaparece. A voracidade do capital, ao violar a ética, perde a lógica. Foi assim que o mercado dos derivativos se tornou o buraco negro das finanças mundiais: criou-se um capital fictício, que alimentou os grandes especuladores e levou milhões à miséria.

Os governos, sem embargo da clareza do problema, em lugar de deixarem que os banqueiros paguem pelos excessos de suas ambições, tratam de salvá-los, em nome da estabilidade. Como alguém tem que pagar a conta, pagam os de sempre, isto é, os pobres e os não ricos. Pagam com a redução dos serviços sociais, de saúde, educação e segurança, e pagam com o desemprego.

A alguns ministros italianos de Berlusconi faltam credenciais da honra, mas a metáfora do Titanic é válida. Ocorre que a Europa não tem pela frente um só iceberg. Ela navega em mar pejado dessas montanhas de gelo. Os Estados Unidos estão encalhados no saguão do Capitólio, à espera que o nível de endividamento se eleve, para sua salvação; a China começa a desconfiar de que seu extraordinário crescimento lhe trará pesadas dificuldades no convívio internacional: seus fabulosos créditos no mundo podem esfarinhar-se na catástrofe que se espera. Todos os países passam pela mesma inquietude. A saída é fácil, se houver a decisão política de tirar a moeda das mãos dos banqueiros e, com isso, expulsá-los do poder ilegítimo que exercem no mundo.

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